sobre

Entre março e abril de 2013, saímos em expedição para registrar os sons, timbres e cores da Amazônia ocidental. Buscamos seguir os passos do primeiro registro audiovisual da região, realizado pelo etnógrafo alemão Koch-Grünberg, mais de 100 anos atrás. Com um estúdio móvel de gravação fomos da foz do rio Içana, perto da fronteira da Colômbia, até a comunidade de Kumarakapay, na Venezuela. Cruzando a Amazônia Ocidental, conhecemos mestres das culturas popular e tradicional, assim como jovens compositores. O site difunde e compartilha os melhores momentos dessa aventura, onde a música é o cerne da nossa viagem ao longo de 4 horas de acervo musical, 10 vídeos para youtube (web-clipe, mini-docs, etc.) e de inúmeras fotografias.

Arte, Ciência e Filosofia nas Músicas das

As imagens, as palavras e as músicas deste Livro-CD surgiram de uma iniciativa que reuniu o amor pela arte e a afeição pela pesquisa científica e filosófica. Sob a liderança de Agenor Vasconcelos, os atores desse empreendimento resgataram nas Cachoeiras do Alto Rio Negro, nas fronteiras do Brasil, da Colômbia e da Venezuela, um tesouro que se acumula a despeito da incidência em Roraima dos processos de homogeneização e redução da cultura deflagrados pela inusitada expansão global do modo de vida europeu. Eles decidiram refazer o percurso do eminente pesquisador alemão Koch-Grünberg, que, nos primeiros anos do século XX, pela primeira vez, recolheu gravações audiovisuais da vida cotidiana e das manifestações artísticas e culturais dos povos indígenas daquela região. O projeto nasceu do interesse de Vasconcelos pelas criações artísticas desses povos, que se desenvolveu durante suas pesquisas destinadas à redação de sua Dissertação de Mestrado. Sob o título de O Sentido Metafísico na descrição etnográfica de Koch-Grünberg: o Demônio, a Máscara e o Falo, esse trabalho foi apresentado com êxito em 2012 junto ao Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia, da UFAM. Ocorre que, apesar das graves consequências decorrentes da violência a que foram submetidas, sobretudo a partir do final do século XIX, essas sociedades deram provas de uma capacidade de resistência que assegurou a manutenção de diversas modalidades de expressão pelas quais os descendentes dos Baníwa, Wapichana, Macuxi, Taurepang e tantas outras etnias que formam aquele complexo sociocultural podem, hoje, afirmar a solidez e a justeza de suas lutas e dos enfrentamentos que fazem em defesa da demarcação de suas terras, da criação de políticas públicas voltadas para a formação de professores indígenas e da garantia da saúde e da segurança face às constantes ameaças assacadas contra a integridade física e espiritual de suas comunidades. A publicação de uma pequena parte desse tesouro nos dá a pensar uma série de questões que emergem na agora reiterada experiência do encontro que se faz ao longo das viagens de interesse científico, artístico ou cultural. Do estranhamento, como se sabe, vive o filosofar. Mas as diferenças nem sempre são experimentadas como dissabores. Suspeito que os integrantes dessa trupe, que possuem formação artística, científica e filosófica, partiram em sua jornada preparados justamente para exercitarem uma espécie de conversão espiritual.

Não digo isto no sentido religioso, mas na acepção de uma atitude especulativa em que o espírito esforça-se para separar-se de si mesmo, submeter-se à crítica e, até mesmo, à transvaloração de todos os seus valores. Certamente, a arte é uma das raras dimensões da existência humana onde tal experiência pode ser realizada sem deixar sequelas irreversíveis nos que nela mergulham. Além disso, trata-se de uma ação em que os interlocutores alcançam o entendimento mútuo pela construção de uma nova linguagem mediada por simbolismos de significação universal. O material aqui registrado nos proporciona os meios para que possamos fazer essa experiência como um exercício pessoal e, ao mesmo tempo, permite ao estudioso acessar os elementos que traduzem a dialética pela qual, ao longo do tempo, as línguas, as músicas, os instrumentos sonoros, as pinturas rupestres, os vestuários, as armas e as ferramentas se transformaram e permaneceram os mesmos, dando lugar aos sincretismos que asseguraram a constituição de um novo complexo no qual a fusão se fez nos espíritos, nas mentes e nos corpos. Ao abrir espaço para esta publicação, a EDUA – Editora da Universidade Federal do Amazonas vem reafirmar o compromisso assumido com a promoção e a difusão das pesquisas sobre a Amazônia, particularmente as que se debruçam sobre os conhecimentos dos povos indígenas. Ela associou-se ao Coletivo que, sob uma nova perspectiva, fez sua excursão movido pelo desejo de problematizar a querela que os intelectuais da Bildung alemã empreenderam em torno da crítica da Modernidade. Encontrase aí uma esperança de que, pelo retorno aos Antigos, possamos reativar os valores universais da cultura. Não se trata de um retorno radical a um suposto momento original das forças da natureza, mas sim de liberar e aprender a manejar os impulsos que conduzem inexoravelmente a humanidade a construir suas habitações no domínio do inefável: nas águas do Rio Negro que, desde tempos imemoriais, esculpe pacientemente as pedras e, com elas, compõem sem parar as músicas das cachoeiras, os antigos e os novos habitantes do Noroeste Amazônico aí aprenderam a entoar os cânticos imprescindíveis ao ordenamento do universo, para estabelecer a origem e o fim de todas as coisas e, sobretudo, justificar metafisicamente esse salto enorme em que nos lançamos na existência para nos movermos no abismo tal como, numa dança Parischera, os animais espiam suas malvadezas recíprocas, segundo o ritmo da música.

Manaus, outubro de 2013.
Nelson Matos de Noronha

Ficha técnica

Coordenação: Agenor Cavalcanti de Vasconcelos Neto
Pesquisa: Karina Sanchez e Agenor C. de Vasconcelos Neto
Orientação e Supervisão: Prof. Dr. Nelson Matos de Noronha
Som direto e captação de áudio: Davi Escobar

Design: Studio Caboco

Direção de Fotografia: Yure César Cova

Imagens: Agenor Vasconcelos, Márcio Peixoto e Yure César

Assessoria de Imprensa: Renata Paula

Assistente de Câmera em Roraima: Márcio Peixoto

Assistente de Mixagem: Rafael Ângelo dos Santos

Produtor regional em São Gabriel da Cachoeira: Paulo Moura

Mixagem: Cauxi Produções

Masterização: Vânius Marques(RJ)

Faixas 01, 08 e 12 – 21.03.2013 em São Gabriel da
Cachoeira(AM), comunidade de Itacoatiara-Mirim. Canto, flauta
Japurutú e apito do crâneo do veado: Luiz Laureano da Silva
Baníwa. Canto e flauta Japurutú: Mário Felício Joaquin Baníwa.
Canto: Luzia Inácia Baníwa

Faixas 01, 03, 05 – 03.03.2013 na comunidade do Tupé. Canto,
flauta de Jurupari e Cariço: Raimundo Veloso Dessana,
Alessandro e Kissib.

Faixas 02, 04, 06 e 09 – 18.03.2013 em São Gabriel da
Cachoeira(AM), Rádio Municipal, com a banda Marupiara.
Formação conforme página 4.

Faixa 07 – 22.03.2013 na Comunidade de Boa Vista(AM), antigo
Destacamento, foz do rio Içana, com a Banda Taína Rukena.
Vocal: Alcimar Bruno. Guitarra: Edenilson Alberto. Teclado:
Josimar Peinado.

Faixa 10 – 19.03.2013 em São Gabriel da Cachoeira na Rádio
Municipal. Voz e violão: Denilson Reis.

Faixa 11 – 20.03.2013 na Pedra da Fortaleza em São Gabriel da
Cachoeira. Gaita e Violão de Aço: Ademar Garrido Delgado

Faixa 13 – 19.04.2013 na comunidade de Barro Vermelho (RR).
Canto Parixara no idioma Macuxi: José Aristo de Souza (José
Macuxi).

Faixas 14 e 17 – 18.04.2013 em Boa Vista(RR). Eliakin Rufino
Voz e violão.
Faixa 15 – 23.04.2013 na Comunidade Canauanim(RR) pelo
grupo Kanaw ‘wa ‘u San nau (Filhos de Canauanim). Canto:
Valdélia Edoíno dos Santos, Tarcila da Silva Pereira, Dolores
Caetano e Elza da Silva. Buzina de Taquara: Rivanildo Cadete
Fidelis e Ernesto Joaquim da Silva

Faixa 16 – 19.04.2013 em Boa Vista(RR). Voz e violão: Marcos
Edwards. Back vocal: Leonela Edwards.

Faixa 18 – 21.04.2013 na Comunidade de São Francisco-
Kumarakapay, na Venezuela. Participantes e suas respectivas
funções: Canto e Tambor(piel de vaca): Yennian Fernandez.
Canto e chocalho: Yuenni Fernandez. Canto: Yovenni Fernandez
e Bioma Fernandez.

Faixa 19 – 20.04.2013 na Comunidade de São Francisco-
Kumarakapay, na Venezuela. Voz: Jeremias Cliffe. Pista: Abel
Duran.

title-referencia

KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Dois anos entre os indígenas:
viagens ao noroeste do Brasil (1903-1905)
. Tradução Pe.
Casimiro Béksta. Manaus: EDUA/FSDB, 2005.

Theodor. Do Roraima ao Orinoco, : Observações de uma
viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos de
1911 a 1913. Tradução Cristina Alberts-Franco. São Paulo:
Editora UNESP, v.1, 2006.

STRADELLI, Ermano. Vocabularios da lingua geral portuguêznheêngatú
e nheêngatú- portuguêz, precedidos de um esboço
de Grammatica nheênga-umbuê-sáua mirî e seguidos de contos
em lingua geral nheêngatú poranduua.
Revista do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, Tomo 104, v. 158, p. 9-768, 1929. ( Biblioteca digital Curt Nimuendajú www.biblio.etnolinguistica.org).